ENTRE TÊNUES NOTAS

Nas teclas paradas do piano, em meio a um calor sufocante, meus olhos estatelaram firmes em uma compreensão nunca antes tida. Era assim que acontecia desde daqueles dias em que meu peito desfibrilou antigos medos e renasceu. Um brilho tocou então cantos não visitados da minha memória e revi antigas certezas, todas com prazo de validade vencido. Lembrei-me que as utilizava constantemente para diminuir dores agudas ou simplesmente para não me arriscar. E como um fósforo riscado, depois da luz, sobram cinzas, hoje indispensavelmente inútil. Nunca negarei um só segundo, vestindo uma face desmemoriada como algumas que vi naquela vertigem que tive. Mesmo com os dedos imóveis escuto uma melodia começar, lentamente, martelando notas firmes. Nunca seriam meus aqueles toques, logo eu, que ainda tenho dedos trêmulos diante das descobertas. Sabia que havia algo de divino e reconhecia naquele toque, repleto de uma aura brilhante que me cegava, o encontro mais pleno que já tive. Fui ouvindo… Ouvindo… Na certeza que havia ali uma harmonização indescritível à carne humana. Uma das notas era dura, agressiva e batia em uma ferida antes exposta, as demais compunham aquele acorde com sutileza em tom de perplexidade, e era tão belo. – Entendeu? Sim – respondi a mim mesma em tom e agilidade de criança entusiasmada, ficando certa, logo em seguida, de que a compreensão era limitada. Aquela era a junção melodiosa do que só agora meus ouvidos podiam receber, sem deixar de lado um pouco de sofreguidão. Quem disse que seria fácil? Era como virar de um gole só um líquido que não mata a sede. Constrição antes do novo paladar. Coerência. Terei de brigar contigo por quantos milênios ainda? Nesta vida de caminhos tortos qual o limite para caminhar de pé? Qual o ponto antes da hipocrisia? Um silêncio sepulcral foi a única resposta por ora obtida.

Linhas tênues. Tudo que eu tenho nas mãos. Tênue como os espaços que separam a dor pungente daquela nota da alegria destes novos encontros, expressa em uma mesma lágrima, que se faz nova enquanto percorre meu rosto o qual, na medida em que se molha, brilha. A vida pára um pouco de cumprir seu papel e ganha sentido. Eu ganho mais.

Reequilibro-me na corda bamba, no alto de onde vejo cores e crianças brincando. Elas estão de mãos dadas com os meus sonhos, e não os deixaram se perder. A inocência também é uma linha tênue, nessas lições que vai se aprendendo pra vida inteira. Deixe-me errar com a capacidade dos que acertam às vezes. Sei que te custa entender, mas é que não quero mais este pedestal, nem estas honras, nem falsos sorrisos (nem os do espelho). Não perco nem mais um segundo. Veja! É a vida me entregando toda sua potência. Não quero nada que não seja caminho para o que é pleno. O jeito é abrir os braços e deixar a brisa desvelar a beleza, com intensa calma.

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