ANDAR DEVAGAR

Hoje eu quero andar devagar. Não quero passar pelos lugares, quero levá-los comigo no olhar. Hoje eu quero olhar cada passo. Não quero simplesmente chegar em casa e esquecer. Hoje eu quero lembrar o caminho. Preciso guardar comigo esse momento ímpar, mesmo que pareça que amanhã o caminho será o mesmo. E não será. E se duvidas Heráclito pode te provar. Hoje quero me permitir não ter pressa.

Quero olhar as luzes que me provam que não estou cega, que me revelam. Quero admirar o que normalmente nem vejo. Hoje eu quero dar passos lentos. Não por estagnação, mas por puro prazer.

Quero rir das nuvens, da chuva. Hoje eu quero rir de mim.

Quero ver o baile ao meu redor. Passos longos, desviantes, sincronizadamente desconexos . Hoje eu também quero dançar. Hoje eu me lembrei que as pessoas têm rostos. Hoje eu pude olhá-los, passando por mim rapidamente, sem me encarar. Hoje eu pude encará-los.

Hoje eu quero andar devagar como uma forma de pedir perdão por todas as vezes que corri. Quero fazer valer meus passos.

Hoje eu entendi. A pressa não traduz nada além da afobação de quem não sabe aonde vai. Se corre, se perde. Não se quer mais esperar, pois perdeu o gosto que só a alma paciente sabe degustar. E inicia-se a corrida. Corre-se em volta da mesma pista, na companhia de adversários inventados. Ganha quando se permite ganhar. E no fim não há o que comemorar, e mesmo se tivesse não se faria já que a linha de chegada é também a de partida para a próxima disputa. Continua-se a correr…

Corre, corre, corre…

Mas eu, hoje, eu só quero andar devagar.

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