Uma pequena pausa se fez entre a mulher e a página em branco. Pensou inicialmente que não sabia o que escrever, mas em seguida foi tomada pela revelação de que não era o escrever que lhe paralisava, era a página em branco.

A brancura da página é como um soco existencial. O convite constante a fazer algo da vida crua. A ilusão de que tudo se pode, uma vez que a página alva da vida está ali. Não nos contam, porém, que somos também alvos. Marcados na necessidade de fazermos algo com o que nos é dado. Podemos não fazer nada, é verdade, mas até isso exige escolher nada fazer. A página em branco não deixa ninguém impune.

Tenho refletido constantemente sobre a linha (tênue?) entre a responsabilidade e a culpa. Aquilo que me parecia aproximá-las, contudo, tem se revelado como suas oposições. É que a culpa é como algo revestido de uma couraça engessada, onde a vida já esvaiu e sobrou apenas a possibilidade de ruminar o nada. Responsabilidade, por outro lado, é o movimento entre o que sou, o que fui e o que quero ser. É vivo, errante por vezes, mas não encapsulado. Posso ser responsável por um mal que fiz e não me fazer culpada, por permanecer livre. Liberdade é página em branco, permite muitas coisas, mas não deixa impune. Culpa e responsabilidade não comportam impunidade, a primeira sentencia à pena de morte em vida, desgastando o ser na busca por alguma absolvição que nunca virá. A responsabilidade abre à possibilidade, sem garantias, sem direitos absolutos, apenas o sujeito e a página em branco, e essa já é a maior sentença.

Talvez o ponto seja então não buscar a impunidade, ou seja, escrever, viver, ou fazer o que quer que seja sem buscar nada além de escrever, viver ou fazer o que quer que seja. A coisa por ela mesma, como o it lispectoriano. 

Tenho buscado mais a coisa por ela mesma. Tenho afrouxado a alma espartilhada na busca de certezas. Tenho me permitido o gole no café quente demais, pois ao esperar a temperatura ideal posso terminar por beber o café frio, e isso é de uma tristeza que só quem gosta de café irá me entender. Mas hoje não estou triste, hoje eu escrevi na folha que não é mais branca agora que me lavei de minhas pretensões frágeis. Hoje, recebida a pena, cumpri a sina, hoje escrevi.